Excertos da Elegia da Solidão (1)
Entre turbas de mortos não ser mais
Do que um espectro vivo?
Ser doido cataclismo!
Ser desprendida folha,
Entregue aos vendavaes,
A voar, a voar em negros vôos afflictos!
Olhar seu proprio sêr como quem olha
O fundo d'um abysmo!
E querendo esconder nas sombras o seu rôsto,
Para chorar tão intimo desgosto,
Ter de invocar a noite em altos gritos!
Ó meu vulto perdido em trevas misteriosas!
Cégo, a bater de encontro ás brutas cousas,
Coberto de feridas, a sangrar…
Sou como a sombra em lagrimas do mar;
Nuvem desfeita em chuva;
Um enorme phantasma de viuva
A rezar e a chorar na solidão sem fim!
Noite de horror sempre abraçada a mim!
Ó noite, onde ha soluços e estertores
E procissões infindas de clamores…
Multidões de phantasticas mulheres,
A cantar, a cantar sinistros miséréres…
Sombras que o vento leva…
Doidos perfis de fogo a rir na treva
Que nos desvenda as lividas entranhas,
Com nuvens e contornos de montanhas,
Com arvores agitadas de anciedades,
Com desgrenhadas, intimas saudades
E tragicos desejos que arrefecem,
Soes que n'um mar de sangue desfalecem!
Sou a noite em que o mundo se consome:
As cousas mais humildes e sem nome,
As estrelas, os Deuses, tudo quanto
Se amortalha na sombra do meu canto
Que chora a sua eterna imperfeição!
Sou tempestade, noite, solidão,
O frio esquecimento,
A sombra do luar bailando com o vento,
Um gemido de nevoa, uma ternura, um ai,
Phantasma d'uma lagrima que cáe.
(1) Retirado do Project Gutemberg