Thursday, July 02, 2009

O capitalismo e a indústria farmacêutica

"A farmacêutica americana Pfizer vai pagar quase 55 milhões de euros em indemnizações pela morte de 11 crianças que teria usado como cobaias para experimentar um novo medicamento, noticiou a BBC.JEFF CHRISTENSEN

A verba foi acordada após a farmacêutica ter chegado a acordo com o estado nigeriano de Kano, que responsabilizou a Pfizer pela morte das crianças, mas esta batalha legal ainda não chegou ao fim e ainda decorrem negociações.

O caso remonta a 1996, quando uma epidemia de meningite fez mais de 11.000 mortos na Nigéria. A Pfizer teria enviado médicos que recolheram 200 crianças para serem usadas como cobaias nos ensaios do Trovan, um novo medicamento. 11 crianças morreram e 181 outras sofreram danos cerebrais entre outros efeitos secundários, escreveu o diário espanhol El País. O britânico The Independent acrescenta que a equipa deixou o país passadas apenas duas semanas.

O estado de Kano, no norte do país, processou a Pfizer e exigiu uma indemnização de aproximadamente 1.500 milhões de euros. Por seu turno, o Governo Federal nigeriano deu início a um outro processo civil de mais de 5.190 milhões de euros por danos, de acordo com o diário The Wall Street Journal.

No entanto, o Governo nigeriano admite retirar as acusações se as negociações em curso entre a Pfizer e o estado de Kano chegarem a bom porto, diz a BBC online. A próxima audiência do caso está marcada para 26 de Maio mas há “fortes indicações de que o caso está a chegar ao fim”, disse o juiz Shehu Atiku em entrevista à Reuters.

“Concordámos nos princípios gerais do acordo. Iremos trabalhar em conjunto nos detalhes”, disse Aliyu Umar, advogado do estado do Kano, à mesma agência.

Uma fonte citada pela AFP afirmou que a Pfizer terá de pagar cerca de 26 milhões de euros às famílias das vítimas e 22 milhões de euros para a reconstrução do Hospital de Doenças Contagiosas, onde decorreram os testes do Trovan. Os restantes sete milhões destinam-se a cobrir os custos legais suportados pelo estado do Kano.

“Prometeram que as negociações sobre as quantias não estariam concluídas até que se decida exactamente como essas quantias serão aplicadas”, disse Umar à BBC. “Existem ainda questões importantes que precisam de ser resolvidos antes do acordo final”, declarou a Pfizer ao Washington Post. Como evitar a apropriação ilegal destes fundos é um dos pontos a negociar, avançou a Reuters.

O acordo foi mediado por o antigo presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter e pelo antigo líder militar da Nigéria Yakabu Gowon.

O caso serviu de inspiração a John Le Carre, autor de O Fiel Jardineiro. O romance foi adaptado para o cinema e venceu quatro Óscares.

A denúncia foi feita inicialmente por Juan Walterspiel, um médico da empresa que, numa carta enviada à direcção da Pfizer, denunciava a violação de “normas éticas”. O médico foi demitido e a Pfizer alegou que ele não tinha quaisquer relações com a farmacêutica, de acordo com o El País.

Ao longo de todo o processo, a empresa defendeu que tinha a autorização das autoridades locais e dos pais das crianças para testar o medicamento. Além disso, afirma ainda que apenas seis crianças morreram depois de ter tomado o Trovan, e que as outras cinco teriam morrido depois de ter recebido doses de Rocephin, um medicamento testado, segundo o El Pais.

Malam Musa Zango, pai de uma das crianças que serviram como cobaias, afirma que a Pfizer não tinha a sua autorização para testar o Trovan no seu filho, disse em entrevista ao The Independent. Sumaila, que na altura tinha 12 anos, ficou surdo e mudo depois de lhe ter sido administrado o medicamento

O medicamento nunca foi aprovado para ser tomado por crianças nos EUA, mas a Food and Drug Administration aprovou-o para adultos em 1998. Anos mais tarde, a mesma agência norte-americana colocou severas restrições ao seu uso por poder causar problemas de fígado. A União Europeia baniu o medicamento em 1999, escreveu o Washington Post.

Apesar deste acordo, as famílias poderão ainda processar a Pfizer no estado de Nova Iorque, onde se situa a sede da companhia.
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Noticia retirada do jornal Público de 06.04.2009